Ameixa não precisa de test drive

Nunca olhei para uma ameixa da mesma forma

Caminhando pelos corredores do hortifruti. Eu e minha mãe estávamos escolhendo as melhores frutas que seriam levadas para casa. Com experiência anos-luz à minha frente, ela escolhia atentamente as peras, ameixas, maçãs, uvas e outras que nos serviriam de alimento. Eu, atentamente, tentava captar quais eram os critérios para a fruta ser escolhida. Mamãe percebeu isso.

Ainda me lembro que, na seção de ameixas, ela, examinando uma por uma, externou seu pensamento: “Tá vendo essas ameixas mais amassadas? Elas ficam assim porque as apertam para ver se levam pra casa ou não. Essas, ninguém quer levar. É assim que acontece quando você permite que os rapazes lhe apertem, apalpem e amassem. Quem vai querer uma ameixa amassada?”

Recordo que, na hora, minha face se esquentou, corando, e ri da situação inusitada. “Quem, em plena consciência deixaria que isso acontecesse consigo mesma?” É óbvio que eu não queria ser uma ameixa amassada. Com os meus 14 anos, achei minha mãe maluca por pronunciar dizeres tão constrangedores.
“Pobre ameixa”, pensei. “Para onde ela iria se ninguém a queria?”

Depois desse episódio, nunca mais olhei para uma ameixa da mesma forma. Será que nunca perguntaram para ela como estava se sentindo, estando envolvida numa situação claustrofóbica como essa? Ou então, as pessoas simplesmente resolveram ignorar e desprezá-la assim que a viam, de primeira vista?
“Eu que não queria estar no ‘corpo’ dessa ameixa, credo!” Mas precisei. Para tentar entendê-la.

 

Sendo a ameixa

A história da ameixa não começou de forma incomum. Nasceu, foi tirada de seu pé um pouquinho antes de sua maturação, e obrigada e viver em grupos grandes, se viu envolta por muitas parecidas com ela. Todas expostas para os ávidos consumidores. “Por que ela estava lá sendo que não estava preparada?” Não se sentia madura suficiente para desempenhar aquele papel. Ela possuía uma aparência ótima mas não estava no ponto ideal. Cada um que a pegava nas mãos já constatava que ainda não estava boa para ser levada. Ela via as suas amigas ameixas indo e indo e ela ficando e ficando. Logo que aparecia alguém, ela se apertava entre as demais para ser notada! “Eu! Eu! Eu! Me leva!” O comprador a pegava e depois de um tempo decidia que não iria levar. Pega uma outra próxima. Nessa rotina, ela não se sentia mais a mesma. Dolorida, amassada ela foi amadurecida mais que o devido. Passou do ponto. Não a queriam mais.

O fato é que, a ameixa em questão escolheu. Não se trata de uma violência física, muito menos de um crime de estado ao qual a vítima tenha sido somente uma vítima. A vítima também é a agressora. Ela escolheu ser a “ameixa amassada” desesperada por deixar aquele amontoado de mesmice. “Quem sabe dessa vez não dá certo, não é?”

“Querida Ameixinha, quando estiver desesperada por afeto e carinho, não procure. Eu sei como você tem uma casca mais azedinha e compensa com doçura por dentro. Não deixe que o doce a amoleça para que você veja só açúcar em tudo que lhe vem. Tentar se vender não efetivará nenhuma compra. Caso tente, saiba que você se machucará bastante, e quem testou sua maturidade, não estará ciente do grau do ferimento. Ah sim! Os compradores estão só de passagem, eles não estão interessados em voltar e verificar. Ah, querida Ameixinha! Você não é uma ameixa, você é uma menina.

E não precisa de test drive.”

Com real doçura,

Kemys

 

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