Antes da faculdade a Pequena Sereia existiu

12 de outubro de 2010

Não chovia e não ventava. As palavrinhas dançavam o Danúbio Azul enquanto ela tentava pausar a música da sonolência. Era um texto muito legal sobre…. um rio nascente na Floresta Negra? Não, espera. Nossa Senhora estaria muito feliz com a minha concentração, ou melhor, a falta dela. Bela comemoração de feriado do “dia da criança”. Laura Monteiro estava muito feliz. Feliz mesmo. Morta sob a cama tentando ler um texto da faculdade. Aliás, feriados eram dias livres para se fazer escolhas certas: dar conta dos trabalhos da faculdade.

“Olha só, um livro empoeirado que comecei a ler dois anos atrás! Acho que vou ler”, distraiu-se mais uma vez. “Olha só, lançaram uma nova música. Vou ouvir”. Antigamente ela não pensava tanto para fazê-lo. Somente fazia.

Ser Laura era ser difícil. Nos mais amplos sentidos. As coisas tendiam a ser complexas e exaustivas. Não era pra tanto que não conseguia levantar da cama às 13h. Metade do dia havia sido perdido e o texto ainda não havia sido compreendido. De fato, não estava vegetando olhando para o teto como como um girassol caçando a luz solar em um quarto escuro. Ela estava exercitando… a mente com diversas conjecturas. Quem dera fosse paga por isso. Mas era dinheiro que saía do seu bolso para pagar os estudos que consumiam seu tempo de viver. Parece que confinamento era essencial para aquele período estudantil.

Aspirante

O cansaço a justificava. Carpe diem, Laura, carpe diem!!!  O tempo livre que tinha, tentava usar como forma de aproveitamento. No caso, isso não ocorria muito bem. O teto era um telão de possibilidade um pouco impossíveis até então. Assistia um filme hipotético de vida que consistia em uma trilha sonora a la chanson. O francês romantizava mais as cenas que visualizava. Como um cinema antigo as imagens apareciam sem muita definição. Bem nítido era o mocinho, razão dos suspiros durante seu silêncio. Ele era um músico, poeta, falava em metáforas. A confundia. Ela o amava em segredo. Um segredo que ele devia saber, mas fingia que não. Era só mais uma história.

As crianças deviam estar brincando lá fora ou ganhando presentes. Laura forjava lembranças. Lia o texto errado para o momento. “A solidão, às vezes, é a melhor alternativa. Parece que nos machucamos mais. E quando ocorre, transformamos em poesia”, cantarolou o poeta. Ela concordava tanto com o que ele dizia que, naquela cama, sozinha, tentou parecer mais feliz imaginando os brinquedos que ganhou na infância e os beijos que não recebeu da boca que parecia saudável em palavras. Bobagem, não podemos sofrer por sentimentos não correspondidos. A busca pelo conhecimento nos suprirá. Acho que ela estava virando discípula de um mestre bobo que a ensinava do jeito perverso.

 

“A busca pelo conhecimento tende a deixar de lado as objeções, já que o conhecimento é sempre a deidade à qual o sentimento deve mostrar obediência.” – Michael D. O’Brien

 

Pegou o texto. Ignorou-o. Virou a folha e reviveu a poeta que existira na infância que um dia escrevera em alguns versos:

“É tão difícil expressar?

Você não consegue entender?

Pois admirar é pouco, eu amo você.”

Concretizante

“A realidade é que estou ainda em um poço me distraindo com as paredes do buraco e vendo poesia nelas. Queria e queria… algo que não tenho e não posso ter. Eu não sou daquelas que rouba as coisas dos outros. Principalmente corações. Ultimamente tenho recebido notificações do app dizendo ‘Você não bebeu água hoje’. Mas estou em um poço quase que me afogando, como assim não bebi? Sinto que minha essência está cada vez mais água. Chegando a quase 100% feita de água.

Acho que tenho parentesco com peixe. Talvez minha cauda um dia surja e eu saia me aventurando por mares abertos. Por isso ninguém consegue me manter por perto. É água demais para eles que, infelizmente, são feitos de pó. Não duram muito perto de mim. É profundo demais para eles. Muita pressão quando cada vez mais fundo. A vida tranquila que quero não é aquário, é mar profundo (profundezas). Quem fica na superfície pega todas as tempestades. Não me escolheram.”

Seja a sereia que bem entender.

Mas não idealize o príncipe que não existe.

Nem mate a vida por cansaço.

Ele é modinha.

 

Comentários

Leia também

Estava tudo Ben

De uma coisa sabíamos: seu nome era Ben. Não se sabia muito sobre ele.