Ciclistas não precisam saber as horas

Porque senão...

Fiquei chocada quando minha mãe deu uma resposta sem sentido para um ciclista que passou por nós naquela avenida movimentada, hora do almoça, muvuca insana.

– Senhora, que horas são? – perguntou o rapaz sob a bicicleta.

– Depois te conto! – disse rapidamente a senhora minha mãe me puxando para perto

– Mas mamãe… – comecei, a indignação estampada em meu rosto.

Mais sem sentido ainda, foi ela me interromper alegando que depois me explicaria. “Minha mãe deve ter esquecido detalhes muito importantes como o fato de que se ela dissesse a hora em outro momento, já não seria o mesmo horário! E outra, quando é que encontraríamos aquela pessoa novamente? Pelo menos eles poderiam ter ter trocado contatos para se falarem depois”, pensei com minha mente infantil. O fato é que fiquei pensando em um ciclista perdido no tempo e na falta de “boa ação” da minha mãe.

Quando fiquei sabendo posteriormente que a estátua do Borba Gato, em uma região da capital paulistana, ensinou uma lição prática para minha querida mãe (que nunca diz as horas), resolvi ignorar os ciclistas na rua. Não só ciclistas como jovens suspeitos, velhinhas muito legais, mendigos sorridentes e engravatados muito elegantes. Comecei a desconfiar de todos na rua olhando meu próprio reflexo em portas espelhadas. Borba Gato presenciou quando levaram relógio, bolsa e coragem da minha mãe.

Perguntaram as horas para, no minuto seguinte, levarem coisas que demandou-se muito tempo para se adquirir. Sem dinheiro para o ônibus, a jovem que ainda não era minha mãe chorou copiosamente. “Água com açúcar não era solução, mas obrigada moça da loja de roupas.”

Olha, as horas podem passar, mas nesse momento, não as direi.

Corro o risco de ficar sem relógio.

 

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