O ursinho viu tudo

Não foi possível fechar os olhos

Soluço. Isso foi um soluço? A pequena não parava de chorar baixinho durante a noite. Eu sentia a pressão de seus braços entorno de mim e me perguntava “o que havia de errado?”

Não era a primeira vez que eu estava sendo abraçado fortemente e banhado com suas lágrimas. Eu só não entendia o motivo. Já era uma rotina que não parecia normal. A pequena Gabi saía do quarto sempre puxada pelo braço e voltava com as roupas amarrotas, cabelo bagunçado e olhos arregalados. “Não doeu tanto assim. Vai ficar tudo bem”, ela sussurrava para mim.

Eu sei que o meu trabalho como ursinho é o de estar sempre acalmando minha dona.

Mas já estava me considerando quase inútil com essa rotina de choros e nenhum riso. Foi então que, pela primeira vez, decidi sair do quarto e ver o que acontecia lá fora. Eu seguiria os passos de Gabi.

Já era tarde da noite quando decidi que entraria no bolso de seu agasalho comprido. Agradeci por ser pequeno. Fiquei escondido lá até o dia seguinte e observei todo o movimento desde quando ela levantou da cama, se vestiu e me levou para fora daquele ambiente em seu casaco cor azul. Fiquei lá por muito tempo e de vez em quando espiava pela aba do bolso.

Foi quando ela entrou em um outro quarto.

Ouvi a porta se fechado e as duas voltas da fechadura.

“Tira”, uma voz meio grave soou. Foi quando caí no chão juntamente com o casaco azul. E assim, gradativamente cada peça foi caindo. Por que ela estava tirando as peças que acabara de colocar? O que de fato estava acontecendo?

Foi quando eu vi tristemente coisas que jamais conseguiria descrever. “Se vista Gabi, por favor, se vista”, quis gritar. Enquanto isso, Gabi fechava bem forte os olhos para não poder ver o que lhe acontecia. Mas não tendo pálpebras acabei vendo tudo. Até o final.

Quando a menina foi recolher suas roupas espalhadas, notou que eu estivera ali esse tempo todo. E disse em um tom médio constrangido “o ursinho viu tudo…” Uma gota caiu sobre mim. E a outra voz que estava no quarto logo ordenou que ela saísse logo.

Ela me apertava bem forte enquanto caminhava para longe do aposento. Era tudo isso que acontecia o tempo todo? Será que ninguém sabia o que acontecia todos os dias? Só eu que vi?

 

Quem me dera pudesse falar…

Mas você pode.

 


 

4 de junho – Dia Internacional das Crianças Vítimas de Agressão

 

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