SP464: Relato de um romance vertical

11h da madrugada do dia 24 de janeiro. 

Em plenas férias escolares para alguns, e para outros, mais um dia de trabalho. Situada na zona sul da capital paulista, ela espera sua carona para o dentista. A contra gosto. Em seu clima de férias e à beira de um feriado, ela gostaria de continuar fazendo seus “vários nadas”. Já havia assistido a todas comédias românticas existentes no Netflix e a até outras fora do sistema de streaming. Cansou da repetição de iludir-se. Cansou-se da evasão.

Depois de receber uma mensagem de voz da sua mãe – e carona – solicitando que ela estivesse pronta com documentos, radiografias, uma toalha de rosto e um garfo, lá estava ela a porta. Assim que avistou o carro, saiu correndo e entrou o mais rápido que pode. Abriu o Tupperware com a marmita e usou o garfo pedido anteriormente. Comeu correndo. O carro precisava ser deixado no estacionamento do shopping para que, ela, mãe e irmã, pudessem pegar o metrô em direção à consulta. Em Pinheiros.

Linha lilás, esmeralda, desce eternamente até…. a linha amarela, linha verde. Desce, ou melhor, sobe na estação “Clínicas”.
São 15h45, quinze minutos de atraso. Expressões faciais bem fechadas para não ser assaltada ou assediada. Aperta mais o passo.
Chega.

Espera, descobre que o responsável pela futura e tão breve extração dentária exala algo….que não saberemos descrever. Cada dente? 350 reais. Pele morena. Tomar antibióticos previamente. Barba por fazer. “Vamos extrair os quatro”. Calça jeans, sapatênis, jaleco. Próximo encontro, digo, consulta? Daqui uma semana.
“Bom feriado, tchau!”

Esse não é o ápice da história.

Caminha, caminha, linha verde, sobe na amarela, “vamos para a Mackenzie?” Agora a prioridade vai para sua irmã. Memórias da última visita à essa instituição vem. Mas não muitas, porque ela só teve tempo de prestar o vestibular e sair, a 2 anos atrás. Passou mas não entrou. Outra pessoa do seu mesmo sangue vai entrar. “Tudo bem, estudar no interior tem suas qualidades.”

SLXLMManifestação contra ex-presidente Lula em frente ao Masp

Interior e a cidade de São Paulo. Naquele momento, ela sentiu os contrastes. Dentro de um ônibus ela divagou. Quis colocar em palavras o que sentia naquele momento mas a preguiça não colaborou muito. Usou de desculpa o protesto contra o ex-presidente Lula na frente do MASP para pegar o celular e registrar o momento. Registou. E foi muito mais que isso.
O coração errou um batida naquele momento. Nada tinha a ver com o dentista exalando sabe se lá o que. Era algo que estava ligado à grandiosidade.
Agradeceu os trocentos semáforos da Avenida Paulista que fazia o ônibus parar continuamente. Assim ela poderia apreciar por mais tempo.

Ela estava tentando esclarecer em sua própria mente a que tipo de sedução estava envolvida. Prédios altos com seus vidros espelhados, homens e mulheres circulando com seus ternos e vestimentas sociais, celulares em suas mãos e orelhas, a correria de uma multidão, vários modelos de sedã…. aquela espiada para ver o poderia ter atrás daquelas janelas e nem tanto assim.

Pensou nos homens de negócio e como muitas decisões de urgência são tomadas nessa única avenida. Desejou a correria e a imponência que aquele ambiente lhe proporcionou. Almejou grandiosidade. Grandiosidade essa que sempre exigiu de si e de outros. Quanto tempo para chegar a tamanho sucesso?

Logo lembrou de uma data. O feriado do dia seguinte. O aniversário daquela metrópole a qual estava cruzando.
São Paulo faria 464 anos. Se sentiu limitada por não conhecer tão bem sua cidade natal e aquietou seu coração a cada vez que o ônibus se afastava do centro dessa metrópole. Em direção à periferia, era outra cosmovisão. Se sentiu pequena.

19h15 – Pelo menos ela ia sentada no ônibus. No banco à sua frente encontro rabiscado em preto: “Já viu a lua hoje?”

Olhou para o céu e ainda estava claro. Lembrou do artista do metrô que fazia chapéus de planta.
As pichações começaram a ficar mais frequentes nas paredes das ruas, as ruas mais apertadas, o banco ao seu lado ficou vago assim como dentro de seu peito.

“Amanhã é dia de festa, não estou no clima.”

O ônibus chegou ao terminal. Anoiteceu.

Lua crescente no céu.

“Já viu a lua hoje?” Sim, a única certeza.

E nada mudou.

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